Princípios do uso de ácidos orgânicos na nutrição animal

Depois do banimento dos antibióticos promotores de crescimento (APC) na Europa em 2006, o uso de ácidos orgânicos na nutrição animal passou a ter uma importância significativa na indústria de rações. Seus efeitos positivos sobre a qualidade da ração e desempenho animal são conhecidos há décadas e, como estão cada vez mais chamando a atenção da indústria de rações, há uma necessidade crescente de definir diversos ácidos e seus sais, bem como diferenciar seus pontos fortes e fracos.

O que são ácidos orgânicos?

O termo ‘ácidos orgânicos’ refere-se a todos os ácidos construídos sobre um esqueleto de carbono, conhecidos como ácidos carboxílicos, que podem alterar a fisiologia das bactérias, provocando distúrbios metabólicos que impedem a proliferação e causam a morte.

Quase todos os ácidos orgânicos usados na nutrição animal, como os ácidos fórmico, propiônico, lático, acético, sórbico ou cítrico, têm uma estrutura alifática e representam uma fonte de energia para as células. O ácido benzoico, por outro lado, é construído sobre um anel aromático e tem diferentes características metabólicas e de absorção.

A suplementação de ácidos orgânicos na ração dos animais, em doses elevadas corretas, pode aumentar o peso corporal, melhorar a taxa de conversão alimentar e reduzir a colonização de patógenos no intestino. Kirchgessner & Roth (1988) diferenciaram, especificamente, as diferentes ações, incluindo:

  • Redução do valor do pH e da capacidade tamponante, bem os efeitos antibacterianos e antifúngicos na ração;
  • Redução do valor do pH pela liberação de íons de hidrogênio no estômago, ativando assim o pepsinogênio para formar pepsina e melhorando a digestibilidade da proteína;
  • Inibição da microflora gram negativa nativa no trato gastrointestinal;
  • Melhor utilização da energia no metabolismo intermediário.

A eficiência de um ácido orgânico na inibição do crescimento de um microrganismo depende seu valor pKa, que descreve o valor do pH em que o ácido está disponível, 50% em sua forma dissociada e 50% na indissociada. O ácido orgânico tem seu poder antimicrobiano somente em sua forma indissociada, quando pode passar através das paredes de bactérias e fungos e alterar seus metabolismos. Isto significa que a eficácia antimicrobiana do ácido orgânico é maior em condições ácidas, como no estômago, e é reduzida em pH neutro, como no intestino. Assim, os ácidos orgânicos com alto valor de pKa são ácidos mais fracos e, por isso, conservantes mais eficazes para a ração uma vez que, presentes nos ingredientes da dieta em sua forma indissociada em maior proporção, podem defender a ração contra fungos e micróbios (Roth & Ettle, 2005). Por isto, quanto menor o pKa do ácido orgânico (maior a proporção da forma dissociada) maior será seu efeito sobre a redução do pH e menor o seu efeito antimicrobiano nas porções mais distais durante o trânsito através do trato digestivo. Um ácido forte (com pKa baixo) irá acidificar a ração e o estômago, mas não terá fortes efeitos diretos sobre a microflora intestinal.

Tabela 1. Características químicas e físicas de ácidos orgânicos selecionados (Kirsch, 2010)

Esta é uma das razões pelas quais os ácidos como o ácido propiônico, com alto valor de pKa, são usados principalmente como conservantes de grãos ou ração e menos pelo impacto direto sobre o desempenho animal, enquanto que os ácidos fórmico ou lático são usados principalmente para melhorar os processos de digestibilidade. Além disso, há alguns efeitos específicos de cada ácido contra leveduras, bolores e bactérias, que não podem ser explicados pelo valor de pKa. Strauss & Hayler (2001) assinalaram as diferenças no efeito inibitório mínimo de diversos ácidos orgânicos sobre bactérias (Tabela 2).

Tabela 2: Concentração Inibitória Mínima (CIM) de diferentes ácidos orgânicos

Os valores CIM da Tabela 2 refletem a atividade de diferentes ácidos orgânicos contra bactérias gram negativas e gram positivas determinadas sob condições in vitro.

Um estudo de Strauss & Hayler (2001) sobre ácido lático mostrou que a aplicação de baixas concentrações de ácido pode levar ao estímulo do crescimento de Clostridium perfringens quando o ácido lático é usado em doses abaixo de 0,20%.

Outros autores encontraram um aumento do desenvolvimento e maior formação de micotoxina quando os ácidos propiônico, benzoico e sórbico eram usados em concentrações subinibitórias (Müller et al., 1981, Uraih et al., 1977, Spicher & Westenhoff, 1985).

O ácido fórmico não é adequado para a supressão de bolores em rações compostas ou grãos, uma vez que pode promover o crescimento de espécies de Aspergillus formadoras de aflatoxina (Petterson et al., 1989). Assim sendo, o seu uso para o tratamento aeróbico de grãos armazenados, de alto teor de umidade, é proibido na União Europeia se o aditivo contiver>50% de ácido fórmico.

Em geral, para obter efeitos mensuráveis no desempenho dos animais são necessárias doses consideravelmente maiores na ração – dependendo da espécie. Isto porque, sob condições in vivo, fatores como teor de proteína bruta, capacidade total de tamponamento, condições ambientais, além da idade e status sanitário dos animais, desempenham um papel adicional.

Modo de ação

A atividade antimicrobiana é causada pela capacidade de dissociação dos ácidos orgânicos (Partanen 2001). Na forma indissociada, as moléculas do ácido podem penetrar facilmente pelas paredes celulares de bactérias gram negativas. Dentro da célula, o pH é mais elevado do que o seu pKa e uma grande proporção do ácido é dissociada e libera seu íon hidrogênio (H+). Na tentativa de bombear para fora os íons hidrogênio (H+), a célula microbiana consome enormes quantidades de energia, levando à morte celular (Figura 1).

Figura 1: Efeitos antimicrobianos de ácidos orgânicos.

Para maximizar o efeito direto dos ácidos orgânicos contra os patógenos, uma condição prévia é que a molécula de ácido e o microrganismo patogênico entrem em contato. Isto significa que o ingrediente ativo de ácido orgânico tem que alcançar o local onde os patógenos estão localizados, que poderia ser a ração ou o estômago, mas na maioria dos casos é o trato intestinal. Bactérias como E. coli e Salmonella ssp. estão localizadas no intestino delgado. Sob condições in vivo e usando uma dose prática de 5 kg de ácido fórmico líquido (ingrediente ativo 85%) por tonelada de ração composta, Kirsch (2010) encontrou apenas 5,5% do ingrediente ativo no intestino delgado.

De maneira similar e usando uma dose de 0,7% de ácido fórmico líquido, Maribo et al. (2000a) detectaram apenas 4,4% dos ingredientes ativos no intestino delgado. a autora testou também o ácido benzoico, usando ácido benzoico a 2% na primeira dieta de leitões (semanas 4-6) e a 1% na segunda dieta (semanas 6-10). Encontrou um nível muito mais alto no intestino – 22% de ácido benzoico no terço final do intestino delgado (Maribo et al. 2000b).

Salt ou ácido?

Todos os ácidos orgânicos líquidos puros são produtos corrosivos. Mesmo que estes ácidos sejam pulverizados em um veículo, o produto pode ser corrosivo – dependendo dos ingredientes ativos. Sais de ácidos orgânicos, como propionato de cálcio, formato de sódio ou benzoato de sódio pareceram ser uma boa opção para adicionar como ingredientes ativos em forma sólida e não corrosiva. O uso de sais de ácidos orgânicos representa uma boa ferramenta, considerando que a concentração de cátions (como Ca2+, Na+) adicionada pelo sal é considerada na formulação da dieta, reduzindo assim a capacidade tamponante da ração composta.

O modo de ação dos ácidos orgânicos (Figura 1), entretanto, depende dos íons de hidrogênio livres ativarem a molécula orgânica para a forma dissociada ou indissociada, respectivamente. Diferentes dos ácidos orgânicos, os sais não têm um íon de hidrogênio para liberar.

O fato químico: “o ácido mais forte libera o mais fraco de seus sais” ainda é válido e pode ser ilustrado pela reação a seguir:

NaCOOH
formato de sódio +
HCl
ácido clorídrico -->
HCOOH
Ácido fórmico +
NaCl
cloreto de sódio
Somente o H+ é responsável por um efeito acidificante

Uma vez alcançando o estômago, o pH ácido desencadeia uma reação que os transforma em ácidos, sendo que o ácido clorídrico é necessário para liberar o ácido fórmico do formato de sódio. Na nutrição de suínos isto irá melhorar a digestibilidade no estômago de animais monogástricos adultos, melhor do que em animais mais jovens, em que o estômago produz menos HCl.

Efetivamente, não é possível conseguir um efeito acidificante direto pela utilização de sais de ácidos orgânicos.

Conclusão

O valor pKa de um ácido orgânico é responsável por seus efeitos de inibição sobre os microrganismos. O efeito dos ácidos orgânicos geralmente é dose-dependente, quanto mais ingredientes ativos alcançarem o local de sua ação, maiores serão os efeitos desejados. Isto é válido tanto para a conservação da r5ação como para os efeitos nutricionais e sobre a saúde do animal. sais de ácidos orgânicos podem ajudar a reduzir a capacidade tamponante da ração e a disponibilizar um ânion para a produção de ácido orgânico, caso um ácido mais forte esteja presente. No entanto, os sais por si só não têm nenhum efeito acidificante.

A lista de referências será fornecida pelo autor mediante solicitação.

Published on

09 September 2018

Tags

  • Eubiotics
  • Swine

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